Resumo: O Vale do Paraíba paulista não é concebido, pelos órgãos de preservação do patrimônio, como um território integrado, de modo que não há visibilidade de seus bens culturais como conjunto. Seus núcleos de povoamento foram estabelecidos por sesmarias, capelas e patrimônios religiosos, com elementos comuns que podem ser encontrados nos princípios formadores de suas cidades e em suas arquiteturas vernaculares, unidas por uma paisagem que agrega vestígios materiais e imateriais de várias localidades.
Também não se levou em conta a possibilidade da formação de uma rede de cidades históricas, cujas implantação e urbanização se deram pelos caminhos – rios, terras, ferrovia e estradas de rodagem – em seus respectivos contextos econômicos, ouro, açúcar, café e indústrias.
Com atividades voltadas ao turismo, as cidades vale-paraibanas – atualmente em número de 39 – foram separadas em segmentos turísticos e em circuitos e algumas delas são também estâncias turísticas, climáticas ou balneárias.
Assim, o que se pretende com esta pesquisa é empreender uma leitura do território, a partir de conceitos e metodologias que permitam um olhar para remanescentes que ainda hoje são desconhecidos, como decorrência de formas mais tradicionais de identificação e valorização do patrimônio cultural da região. Para isso, entende-se como oportuno definir a ferrovia como fio condutor dessa paisagem, pois, historicamente, foi um elemento estruturador da fixação das unidades de produção (sejam agrícolas ou industriais) e do deslocamento dos produtos, formando uma paisagem histórica da produção.
Em 1852, iniciou-se a construção da Estrada de Ferro Pedro II, que deveria sair do Rio de Janeiro chegando até Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba. Esta solução não foi considerada ideal pelos cafeicultores, que se reuniram para criar a Companhia São Paulo-Rio de Janeiro, cujos trabalhos iniciaram em 1873. Seu traçado passava por Jacareí, São José dos Campos, Caçapava, Taubaté, Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Lorena e Cachoeira Paulista. A ligação ferroviária foi concluída em 1877 e, 1890, foi incorporada à Estrada de Ferro Central do Brasil (antiga D. Pedro II).
Esta estrada de ferro, tendo estreita relação com a cultura cafeeira, ressentiu-se com o declínio da atividade na região vale-paraibana. Seu maior uso passou a ser para trem de passageiros, alavancado pela ideia de turismo que começou a tomar corpo.
Também trouxe um novo tipo de trabalhador, que se destacou por sua capacidade de organização em grupo, “pela união de classe, na exigência de seus direitos e até na luta pela permanência do transporte ferroviário e, hoje, na preservação de sua memória” (STOLLAR, 2010, p. 36). A criação de vilas operárias e a passagem da ferrovia por áreas rurais foram elementos transformadores da urbanização da região.
Atualmente, muitas estações estão desativadas ou tiveram seu uso reconfigurado, abrigando espaços de cultura, em sua maioria. Algumas foram tombadas: as estações de Caçapava, Pindamonhangaba, Cachoeira Paulista, São José dos Campos e Guaratinguetá.
Em 2010, foi criada a Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário que, ao proceder à valoração do patrimônio cultural ferroviário, levou em consideração sua representação em atividades históricas e nos processos de ocupação do território, além do caráter de “sistema” e “rede” dos bens ferroviários, formador de um conjunto de elementos interconectados.
Nesta pesquisa, o aporte metodológico leva a outras matrizes de análise que não apenas os procedimentos de salvaguarda tradicionais dos órgãos de preservação, acrescentando a proposta de paisagem histórica de produção, considerada “a expressão espacial das rupturas, das permanências, as substituições e as justaposições que os diferentes processos econômicos deixaram no território” (SOBRINO SIMAL, 2014, p. 11, tradução da autora).
A partir do estudo do conjunto formado pelas oito cidades atravessadas pela ferrovia, pretende-se proceder à identificação dos bens culturais, em diferentes âmbitos, tais como os intra-urbanos, suburbanos, periurbanos e rurais, indistintamente em relação aos perímetros oficiais.
Com isso, espera-se conduzir uma nova narrativa sobre o Vale do Paraíba paulista, trazendo discussões sobre a valorização do território e seu reconhecimento pelos moradores, de forma a não considerar apenas as esferas técnicas e políticas nas ações de preservação.
Referências
SOBRINO SIMAL. J. Los Paisajes Históricos de la Producción en Sevilla. Instituto Andaluz del Patrimonio Histórico. Sevilla: Consejería de Educación, Cultura y Deporte, 2014.
STOLLAR, V. Vale de Ferro: Estudo Histórico e Estético das Estações Ferroviárias do Vale do Paraíba Paulista. Dissertação [Artes]. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. São Paulo, 2010.
Palavras Chave: Paisagem histórica da produção; Vale do Paraíba paulista; Estrada de Ferro D. Pedro II.